Arqueólogos de cinco países pesquisam vestígios de populações ancestrais que habitavam terras próximas às margens do Rio Uruguai, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul
Pesquisadores de cinco países – França, Rússia, Itália, Canadá e Brasil – tentam desvendar a pré-história em Santa Catarina em escavações nas margens do Rio Uruguai, próximo à barragem da hidrelétrica Foz do Chapecó, entre Águas de Chapecó e Alpestre (RS). Eles estão escavando nos dois lados da margem, mas no lado catarinense está o sítio mais antigo do Estado, com 11,7 mil anos.
— Esses são sítios bem importantes, pois temos basicamente toda a sequência da pré-história regional, que vai desde os grupos mais recentes que viveram 500 anos atrás até os grupos que viveram aqui em torno de 11 mil, 10 mil anos atrás — afirma Mirian Carbonera, doutora em Arqueologia e coordenadora do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (Ceom), vinculado à Unochapecó.
Neste ano, os trabalhos começaram no último dia 30 e vão até 25 de maio. A escavação é bem cuidadosa para não danificar materiais como ossos, carvão, cerâmicas e pontas de flecha, entre outros. Além disso, antes de retirar a peça, é mapeada a disposição dos itens, com a colocação de alfinetes coloridos para posterior anotação em papel.
De acordo com o professor do Museu de História Natural de Paris, Antoine Lourdeau, é importante anotar a disposição dos objetos para entender a organização e o contexto da população que passou pelo local.
— Aqui onde estamos escavando encontramos as ferramentas de pedra, que eram o objetivo da produção, e também as lascas que correspondem ao resíduo da produção. Cada uma dessas categorias de objetos dá uma informação. Além disso, esse sítio de 10 mil anos tem uma tecnologia diferente da que era utilizada em níveis mais antigos. Com 11,7 mil anos, a gente já sabia que tinha gente aqui. Mas podemos ter sítios mais antigos — afirma.
Conforme o pesquisador Marcos César Pereira dos Santos, que concluiu doutorado em Arqueologia na Universidade de Ferrara, na Itália, com tese sobre a arqueologia no Alto Rio Uruguai, chamam atenção as lascas de pedra compridas utilizadas pelos povos que habitaram a região:
— É uma tecnologia muito específica, de lâminas feitas com pedras alongadas, como se fossem facas, que eram retocadas para serem utilizadas como diferentes instrumentos, seja para cortar, para furar e para raspar. Essa é uma característica inédita para o sul do Brasil — aponta Santos.
Além dessas lascas, a atual escavação encontrou também outros tipos de pedra que eram utilizadas como um martelo, para retirar essas lascas.
Povos eram atraídos pelo curso das águas
O Rio Uruguai funcionava como um coletor de águas e também de levas humanas. A presença de povoamentos distintos é observada nas diferentes camadas de terra. A doutora Mirian Carbonera explica que as manchas mais escuras são o indicativo de uma ocupação, nas quais existem restos de fogueiras e material orgânico que foi depositado.
Os pesquisadores também encontraram pedaços de cerâmica Guarani, pontas de flecha, carvão e até ossos. Todo o material passa por limpeza e é levado para o acervo do Ceom, onde é catalogado e ficará disponível para pesquisa.
— A gente tem uma ideia geral de quais eram os grupos e em que período eles viveram. Agora, o objetivo das escavações é poder detalhar cada uma dessas sequências. Nesse período de 12 mil anos a 8 mil anos, não eram um grupo homogêneo que ficava fazendo as mesmas coisas. O objetivo é perceber as mudanças culturais. Temos também um lapso temporal de 6 mil anos a 3 mil anos e queremos entender melhor essa faixa e, por fim, entender as ocupações Guarani — explica Carbonera.
O levantamento começou por outro motivo: inicialmente a pesquisa no local levantava informações para instalação da hidrelétrica, que iniciou o canteiro de obras em 2006 e começou a operar em 2010, trazendo grande impacto para a região. Hoje, lado a lado, convivem toneladas de concreto da hidrelétrica com a tecnologia milenar da pedra lascada.
Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br